Empatia










'Empatia', 2019
Different types of wood
Variable dimensions

Reconciliação

Tão antiga quanto o ser humano é a relação deste com a natureza. Desde tempos imemoriais que o humano se socorre da natureza para sobreviver; para, enfim, existir. Nesta relação, que ultrapassa os limites da simples utilização dos recursos naturais, o simbólico e o espiritual desempenham papéis fundamentais.
Às árvores, especificamente, estão associadas características (ou qualidades) de dimensão sobrenatural: o carvalho, símbolo de força e grandeza, foi sempre muito considerado em todas as culturas europeias, sendo a árvore sagrada de muitas divindades – Zeus, Thor e Dagda; na mitologia dos povos celtas, a bétula simboliza a purificação e a renovação; já os pinheiros, árvores de folha perene, foram considerados árvores sagradas por alguns povos da Europa, simbolizando a vegetação que nunca morre;  o choupo-branco era uma espécie sagrada para os gregos, que a dedicaram a Hércules. Este terá usado uma grinalda de folhas desta espécie.
Neste contexto, ganha particular interesse o facto de Patrícia Geraldes recorrer à árvore como matéria do seu projeto expositivo “Empatia”.
Neste projeto, a artista mantém o processo de trabalho que tem vindo a desenvolver desde que começou a trabalhar: o aproveitamento de materiais (ou matérias) que as matas ou florestas tiveram que descartar. Concretamente em “Empatia”, Patrícia Geraldes utiliza árvores recolhidas na Mata do Bussaco derrubadas na sequência da passagem da uma tempestade. Carvalhos, pinheiros, cedros, bétulas, choupos-brancos e plátanos são a sua matéria-prima.
“Empatia” é composta por um conjunto de trinta secções de esferas, de diâmetro e altura variáveis, realizadas a partir da madeira por si recolhida, dispostas no hall do Espaço Amoreiras. As várias madeiras utilizadas, de odores tão diferentes, estimulam uma experiência sensorial. Esta experiência é intensificada pela oportunidade que é dada ao espectador de tocar estes segmentos de esfera.
Partilhando com os artistas da land art uma necessidade de envolvimento direto com o meio natural, a artista distancia-se destes ao assumir que a materialização dessa relação se processa por via de construções plásticas alicerçadas em disciplinas artísticas como é o caso da escultura. A artista recolhe a matéria-prima no meio natural, mas a tradução das suas experiências na e com a natureza é apresentada num espaço construído.
Na instalação “Empatia”, Patrícia Geraldes traz para o interior de um edifício a sua (ideia de) floresta. A artista não nos apresenta uma mimese da Mata do Bussaco, nem tão pouco nos apresenta uma escultura-instalação verista e empobrecedora. O que a artista nos propõe é uma reflexão sobre a relação atual do humano com a natureza.
Com este projeto, a artista alerta para uma série de problemas sobre os quais é urgente agir: a contínua e desequilibrada intervenção humana na paisagem, a utilização de forma acelerada e indiscriminada dos recursos naturais, as ações humanas como causadoras de alterações climáticas, o desrespeito pelos ciclos da natureza.
No projeto “Empatia”, Patrícia Geraldes dá continuidade às propostas de reflexão que têm estado no cerne do seu trabalho: a representação plástica  da relação entre o humano e o natural,  a memória (história) da paisagem, a delicadeza e a resiliência dos elementos naturais. Patrícia Geraldes propõem-nos, no final de contas, um retorno à condição inicial  - a de reconciliação do ser humano com a natureza.

Raquel Guerra
Janeiro de 2019

Nota:
A informação sobre a simbologia das árvores foi coligida e gentilmente cedida pelos biólogos Mariana Marques dos Santos e Paulo Alves (Floradata). 

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